Os saqueadores do dia contra os saqueadores da noite

Claro que os tumultos de rua em Londres não foram protesto político. Mas o pessoal dos saques noturnos com certeza absoluta sabe que suas elites passaram o dia dedicadas aos saques diários. Saques são contagiosos. Alimentados por um sentido patológico de ‘direitos adquiridos’ pelos ricos, o grande saque global está em andamento à luz do dia, como se nada houvesse a esconder. Mas há, sim, temores ocultados. No início de julho, o Wall Street Journal, citando pesquisa recente, noticiava que 94% dos milionários temiam “a violência nas ruas”. O artigo é de Naomi Klein.

Naomi Klein – The Nation

Leio comparações entre os tumultos em Londres e em outras cidades europeias – vitrines quebradas em Atenas, carros incendiados em Paris. E há paralelos, sem dúvida: uma fagulha lançada pela violência policial, um geração que se sente esquecida. Esses eventos foram marcados por destruição em massa, com poucos saques.

Mas tem havido saques em massa em anos recentes e acho que temos de falar também deles. Houve em Bagdá, logo depois da invasão norte-americana – um frenesi de destruição e saques que esvaziou bibliotecas e museus. Também em fábricas. Em 2004, visitei uma fábrica de refrigeradores. Os trabalhadores tinham saqueado tudo que havia ali de aproveitável, empilharam e incendiaram. No armazém ainda havia uma escultura gigantesca de placas de metal retorcido.

Naquela ocasião, os noticiários entenderam que teria sido saque altamente político. Diziam que aquilo exatamente seria o que aconteceria sempre que um governo não é considerado legítimo pelos cidadãos. Depois de ter assistido durante tanto tempo ao espetáculo de Saddam e filhos roubarem o que conseguissem e de quem conseguissem roubar, os iraquianos comuns sentir-se-iam, então, merecedores do direito de também roubar um pouco. Mas Londres não é Bagdá e o primeiro-ministro britânico David Cameron não é Saddam. Assim sendo, nada haveria a aprender dos saques em Londres.

Mas há exemplos no mundo democrático. A Argentina, em 2001. A economia em queda livre e milhares de pessoas vivendo em periferias destruídas (que haviam sido prósperas zonas fabris, antes da era neoliberal) invadiram e saquearam supermercados de propriedade de empresas estrangeiras. Saíam empurrando carrinhos abarrotados dos produtos que perderam condições para comprar – roupas, aparelhos eletrônicos, carne. O governo implantou “estado de sítio” para restaurar a ordem; a população não gostou e derrubou o governo.

Na Argentina, o episódio ficou conhecido como El Saqueo – o saque[1]. É exemplo politicamente significativo, porque a palavra aplica-se, na Argentina, também ao que as elites do país fizeram, ao vender patrimônio da nação à guisa de ‘privatizar’, em negócios de corrupção flagrante e enviando para o exterior o produto das ‘privatizações’, para, em seguida, cobrar do povo obediência a um brutal pacote de ‘austeridade’. Os argentinos entenderam que o saque dos supermercados jamais teria acontecido sem o saque anterior, muito maior, do próprio país; e que os reais gângsteres estavam no governo.

Mas a Inglaterra não é a América Latina e, na Inglaterra, não há tumultos políticos – ou, pelo menos, é o que nunca se cansam de repetir. Os jovens que devastaram ruas em Londres são crianças sem lei, que se aproveitam de uma situação, para roubar o que não lhes pertence. E a sociedade britânica, diz-nos Cameron, tem ojeriza a esse tipo de gente mal comportada.

Disse, e com ar sério. Como se os ‘resgates’ massivos dos bancos jamais tivessem acontecido, seguidos imediatamente do pagamento de escandalosos bônus recordes aos altos executivos. Depois, as reuniões de emergência do G-8 e do G-20, mas quais os líderes decidiram, coletivamente, nada fazer para punir os banqueiros por esse ou aquele crime, além de também nada fazer para impedir que crises semelhantes voltem a acontecer. Em vez disso, cada um daqueles líderes nacionais voltou aos seus respectivos países para impor sacrifícios ainda maiores aos mais vulneráveis. Como? A receita é sempre a mesma: despedir trabalhadores do setor público, fazer dos professores bodes expiatórios, cancelar acordos previamente firmados com sindicatos, aumentar as mensalidades escolares, promover rápida privatização de patrimônio público e reduzir aposentadorias e pensões. – Cada um que prepare a mistura específica para o país onde viva. E quem lá está, na televisão, pontificando sobre a necessidade de abrir mãos desses “benefícios”? Os banqueiros e gerentes de empresas de hedge-fund, claro.

É o Saqueo global, tempo de saques imensos! Alimentados por um sentido patológico de ‘direitos adquiridos’ pelos ricos, o grande saque global está em andamento à luz do dia, como se nada houvesse a esconder. Mas há, sim, temores ocultados. No início de julho, o Wall Street Journal, citando pesquisa recente, noticiava que 94% dos milionários temiam “a violência nas ruas”. Aí, afinal, um medo compreensível.

Claro que os tumultos de rua em Londres não foram protesto político. Mas o pessoal dos saques noturnos com certeza absoluta sabe que suas elites passaram o dia dedicadas aos saques diários. Saqueos são contagiosos.

Os Conservadores acertam quando dizem que os tumultos nada têm a ver com os cortes. Mas, sim, têm muito a ver com os cortados que os cortes cortaram. Presos longe, numa subclasse que infla dia a dia e sem as vias de escape que antes havia – um emprego no sindicato, educação barata e de boa qualidade –, eles estão sendo descartados. Os cortes são um sinal: dizem a todos os setores da sociedade que os pobres estão fixados onde estão – como dizem também aos imigrantes e refugiados impedidos de ultrapassar fronteiras nacionais cada dia mais militarizadas e fechadas.

A resposta de David Cameron às agitações de rua é tornar literal e completo o descarte dos mais pobres: fim dos abrigos públicos, ameaças de censura e corte das ferramentas de comunicação social e penas de prisão absolutamente inadmissíveis; uma mulher foi condenada a cinco meses de cadeia, por ter recebido um short roubado [e hoje, 17/8/2011, dois homens foram condenados a quatro anos de prisão, por incitarem tumultos pela internet, apesar de não se ter provado que sua ‘incitação’ levou a alguma consequência (NTs, com informações de Guardian em http://www.guardian.co.uk/uk/2011/aug/17/facebook-cases-criticism-riot-sentences)]. Mais uma vez a mensagem é clara contra os pobres que incomodam: sumam. E sumam em silêncio.

Na reunião “de austeridade” do G-20 em Toronto, os protestos viraram tumultos e vários carros da polícia foram incendiados. Nada que se compare a Londres 2011, mas o suficiente para deixar-nos, os canadenses, muito chocados. A grande discussão naquela ocasião era que o governo havia consumido $675 milhões de dólares na “segurança” da reunião (e ninguém conseguia sequer impedir o incêndio de carros da polícia). Naquele momento, muitos dissemos que o novo e caríssimo novo armamento que a polícia havia comprado – canhões de água, canhões de som, granadas de gás lacrimogêneo e munição revestida de borracha – não havia sido comprado para ser usado contra os manifestantes nas ruas; que, no longo prazo, aquele equipamento seria usado para disciplinar os pobres que, na nova era de ‘austeridade’, seriam empurrados para a perigosa posição de pouco terem a perder.

Isso, precisamente, é o que David Cameron absolutamente não entende: é impossível cortar orçamentos militares ou policiais, no mesmo momento em que você corta todos os gastos públicos. Porque, se o estado rouba os cidadãos, tirando deles o pouco que ainda têm, pensando em proteger os interesses dos que acumulam muito mais do que qualquer ser humano precisa para viver, é claro que deve esperar o troco ou, pelo menos, deve esperar resistência – seja a resistência de protestos organizados, seja a resistência das ondas de saques. Não é propriamente problema político: é problema matemático, físico.

[1] Ver, sobre esse período, Memoria del Saqueo, filme de Fernando “Pino” Solanas, Argentina, 2004. Pode ser baixado de http://docverdade.blogspot.com/2009/03/memorias-do-saque-memoria-del-saqueo.html [NTs].

Fonte:
http://www.thenation.com/article/162809/daylight-robbery-meet-nighttime-robbery?rel=emailNation

Tradução: Coletivo Vila Vudu

 

ORAÇÃO DO PROLETARIADO CONTRA O NEOLIBERALISMO

Foto publicada primeiramente no portal de esquerda Agência Carta Maior. "Não cabe ao trabalhador pagar pela crise dos especuladores": greve geral na França em 2010 contra as medidas de austeridade do FMI.

 “Há homens que lutam um dia, e são bons; há homens que lutam por um ano, e são melhores; há homens que lutam por vários anos, e são muito bons; há outros que lutam durante toda a vida, esses são imprescindíveis.”

(Bertold Brecht)

 Marias e Joões de imanente graça,

Agi com todos ativamente nesta praça,

Contra tudo o que é efeito de desgraça,

Na vida proletária que por tudo passa.

Enchei de amor e resistência o coração proletário,

Que esteja errado o pensamento único do mercado,

Livrai-nos da desregulamentação perversa do trabalho,

Que, pela difusão do capital, subtrai direitos conquistados.

Não deixai os Estados soberanos entrarem em tentação,

Fazei-os resistir as medidas austeras que nos jogam no chão,

Dai-nos força para, independentes, lutar com o coração,

Contra a liberdade individual neoliberalista,

e, assim, não cairmos na aceitação,

tácita da nova forma colonialista.

Evitai o que antes era composto por México, Brasil,

Venezuela e Argentina. Livrai-nos de M. Friedman.

Levantai-vos contra os grilhões do capital financeiro,

Do FMI e do Banco Mundial,

Mostrai-nos que a exploração não é algo natural.

E com todos juntos, muito além da graça,

Fazei do amor emancipado,

Fora de seus limites familiares,

E do amor conjugal,

Fazei-nos perceber antes do ser a política,

Mostrai-nos que há Vida para além do capital.

Polivocidade com a necessária contribuição do companheiro e amigo Douglas Valente

O fim do Consenso de Washington e a mudança dos cursos de economia

Nos cursos de Economia de Universidades como La Plata, Córdoba, Rosario e Buenos Aires ainda se ensinam e se continua aprendendo que a Argentina deveria especializar-se na produção de matérias-primas e importar bens manufaturados, que é imperativo privatizar as empresas públicas e flexibilizar o mercado de trabalho. A análise é da equipe de Economia Política do Centro de Estudos para a Mudança Social e de integrantes do Agrupamento Unidade de Graduados de Economia (UNLP) em artigo para o Página/12.

Centro de Estudos para a Mudança Social – Página/12

(*) Artigo publicado originalmente em português no IHU/Unisinos.

A formação dos cursos de Economia nas universidades públicas em nosso país exige um debate. Qual tem sido o itinerário das licenciaturas na Economia nos últimos 35 anos? Por que tem sido assim? As coisas mudaram nos últimos dez anos? Irão mudar? Como se sabe, o plano da ditadura civil-militar, instaurado desde 1976 na Argentina abrangeu um vasto leque de objetivos entre os quais se destacam: a destruição da organização operária, a instauração de um modelo econômico liberal rentista e financeiro que abandonou a proteção social e o desaparecimento dos atores políticos que colocavam em questionamento a ordem vigente.

As unidades acadêmicas não foram exceção nisso tudo: muitos professores foram expulsos, perseguidos, assassinados ou desaparecidos, enquanto o currículo foi violentamente alterado. A outrora licenciatura em Economia Política deixou lugar à Economia, seco assim.

Desde então, os currículos foram adaptando-se ao projeto neoliberal e eliminando progressivamente as disciplinas de caráter social e buscando a identificação da Economia como ciência exata. Simultaneamente, se foram suprimindo as escolas de pensamento críticas à visão neoliberal. Separou-se o estudo do pensamento econômico do resto das matérias “práticas”, tais como comércio, desenvolvimento e macroeconomia; desta forma, as frutíferas discussões de toda a história do pensamento econômico se reduziram ao reduto do pensamento heterodoxo como sendo a “verdadeira economia” – as questões práticas passaram a serem estudas exclusivamente a partir do enfoque neoclássico.

Nos anos 90, o programa neoliberal apoiado por um governo constitucional exigiu na academia o aprofundamento da ortodoxia econômica. Foram dez anos de conversibilidade, e, não coincidentemente, uma década de receitas vindas de Washington. Para aumentar o emprego, mercado de trabalho flexível; para melhorar a eficiência dos serviços públicos, privatização da maior parte das empresas estatais; para apoiar a paridade 1-1 se gerou endividamento e dependência do FMI que para emprestar dinheiro exigia que se cumprisse redução dos gastos públicos e redução dos salários e pensões, etc. Estas medidas respondiam ao enfoque que nossas universidades públicas se encarregavam de ensinar e difundir, dissociando seus nefastos efeitos sociais das insuficiências teóricas da teoria dominante (neoclássica).

O ano de 2001 marcou uma reviravolta. Depois de 25 anos, as políticas de ajuste entraram em colapso na Argentina. A esse enredo adicione-se entre 2008-2009, a maior crise do mundo capitalista desde os anos 30 do século passado. Paradoxalmente, a ortodoxia carece de um corpus teórico relevante e consistente para explicar a crise, uma vez que se presume que os mercados são o equilíbrio. O que eles poderiam dizer desses modelos em nosso país, um dos laboratórios mais bem sucedidos em matéria de crise ao longo de seus 200 anos?

O que deveríamos esperar em matéria acadêmica nos últimos dez anos?

Caída em desgraça a partir da crise, a teoria neoclássica apresentou “fichamentos” para abordagens alternativas em vários países do mundo e na América Latina em particular. No entanto, os Planos de Estudo dos cursos de Economia nas universidades do país (com exceção dos cursos que surgiram em algumas universidades da província de Buenos Aires, como por exemplo, a General Sarmiento), continuaram com a visão neoclássica tradicional instaurada a sangue e fogo pela ditadura e reforçadas pelo Consenso de Washington.

Os cursos de Economia de universidades como La Plata, Córdoba, Rosario e Buenos Aires ainda se ensinam e se continua aprendendo que a Argentina deveria “especializar” na produção de matérias-primas e importar bens manufaturados, que é imperativo privatizar as empresas públicas e flexibilizar o “mercado de trabalho. Soa insólito.

Atualmente, a Faculdade de Economia da Universidade Nacional de La Plata está prestes a mudar seus currículos, incluindo a sua licenciatura em Economia. A proposta é reduzir o número de matérias (35-32), em face de matérias optativas quase todas de conteúdo social (História do Pensamento Econômico, História da América Latina) e garantindo a permanência de disciplinas neoclássicas por definição (a chamada “Teoria dos Jogos” e todas as sucessivas microeconomia por conseguinte). Como se observa, espera-se intensificar a formação neoclássica entendida como a “economia real” em detrimento das visões de muitas das outras escolas de pensamento (o keynesianismo, o marxismo, a regulação, o estruturalismo, etc).

A crise internacional e as catástrofes sociais causadas pelas políticas neoliberais em países como Argentina e, mais recentemente, a Grécia e a Espanha, obrigam que este reduto acadêmico mesmo que vinculado aos preceitos que foram o furor há 15 anos que mude. Tanto por reparação histórica, como por necessidade de formar profissionais que incorporem diferentes visões de mundo e da economia política, a licenciatura em Economia deve renunciar à doutrina dogmática e avançar em uma formação que responda às necessidades da sua sociedade.

Tradução: Cepat

Como enfrentar a crise sem aderir ao neoliberalismo?

O QUE ESTÁ EM DISPUTA
“…É isso que se disputa, agora, na Itália, na Grécia, em Portugal, na Espanha e, logo, também na França. Seus governos de esquerda e de centro-esquerda foram incompetentes para fazer reformas que viabilizassem a manutenção, pelo setor público, tanto dos direitos dos trabalhadores do serviço público quanto dos investimentos em infraestrutura, ciência e tecnologia, que interessam a toda a sociedade. Como os governos não souberam negociar e acumular, politicamente, para reformar mantendo direitos, agora o “mercado” faz as reformas, a seu gosto, liquidando direitos (…) Social-democracia sem fundos leva para mais endividamento. Mais endividamento leva para mais enfraquecimento do Estado público. Mais enfraquecimento do Estado público leva para privatizações “arrojadas” de tudo quanto é público, principalmente para a destruição do serviço público, sempre apontado como vilão em horas de crise..” (Tarso Genro, governador do RS; Zero Hora)

(Carta Maior; 2º feira 23/05/ 2011)

Milhares de pessoas participam de greve geral na Grécia

Retirado da Agência Carta Maior

O centro de Atenas encheu-se nesta quarta-feira de milhares de manifestantes que protestaram contra as medidas de austeridade implementadas pelo governo e contra um novo plano de ajuda externa. Trabalhadores de transportes públicos, serviços públicos, saúde e educação paralisaram suas atividades. Governo quer arrecadar cerca de 76 bilhões de euros até 2015 mediante a privatização de empresas estatais e a venda de bens públicos

Esquerda.net

A segunda greve geral promovida em 2011 surge no momento em que já se sabe que o governo pretende aplicar um novo plano de austeridade para arrecadar cerca de 76 bilhões de euros até 2015 mediante a privatização de empresas estatais e a venda de bens públicos, e em que surgem informações que apontam para a necessidade da Grécia reestruturar a sua dívida e solicitar um novo plano de ajuda externa.

Milhares de manifestantes concentraram-se no centro de Atenas em resposta ao apelo lançado pela Confederação de Trabalhadores da Grécia (GSEE), que representa 1,5 milhão de pessoas, e o Sindicato de Funcionários Civis (ADEDY), que representa outros 700 mil.

Empunhando cartazes contra o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a União Europeia, os gregos exigem que “os ricos paguem a crise e não o povo”, e apelam ao povo para que não baixe a cabeça e não se deixe vencer.

Vassilis Xenakis, representante de um sindicato do setor público, afirmou à BBC Radio 4 que “há um ano, o governo anunciou e tomou algumas medidas contra os funcionários públicos, contra os trabalhadores, contra os salários” e “o resultado foi que a população ficou mais pobre, os mercados estão congelados, não há crescimento, não há produtividade e ninguém investe”. Agora, adianta Vassilis, “o governo volta a pedir mais medidas, mas quem é que pode aceitar novamente essas medidas sem resultados?”.

Lojas fechadas, vôos cancelados, transportes públicos paralisados, escolas encerradas e hospitais em serviços mínimos. Este foi o cenário com que se deparam os atenienses logo pela manhã.

Também os jornalistas aderiram à greve de 24 horas que juntou a função pública e o setor privado contra as políticas de austeridade e os planos de privatização do governo.

Segundo noticia do El Pais, as autoridades gregas utilizaram gás lacrimogéneo para dispersar alguns manifestantes, sendo que um agente ficou ligeiramente ferido e pelo menos cinco manifestantes foram transportados de ambulância para o hospital.

As autoridades gregas apontaram um total de 20.000 manifestantes em Atenas.

Fotos: Foto de Pantzartzi, EPA/Simela

A FÁBULA DO FMI E O PASTOR E O LEÃO DE ESOPO

 

Geralmente as fábulas são caracterizadas por emprestar aspectos antropomórficos a animais e assim compor uma estória que tenha por objetivo nos fazer pensar sobre alguma lição aprendida. Mas, caso não compreendamos essa lição como moral que já vem como um pressuposto pré-fabricado, que carrega todos os seus ensinamentos como preceitos constituídos a partir dos códigos advindos do senso comum, poderemos compreender essa moral como a parte mais importante da fábula, pois ela também poderá ser a construção de uma nova interpretação do real a partir de nós mesmo, forçando o sentido da estória.

Pois bem. O Fundo Monetário Internacional (FMI), principal instituição financeira mundial e principal rosto financeiro do neoliberalismo — que não permite a solidariedade entre os trabalhadores, pois prioriza o domínio do poder nas mãos de uma elite econômica, e para tanto faz do Estado um exercício político mínimo para o bem comum e um auxilio as práticas de promoção da propriedade privada, o livre mercado e do livre comércio a partir de seus empréstimos que sempre vem acompanhado de suas exigências que descartam em completo os direitos conquistados, principalmente dos trabalhadores — através de seu diretor, Dominique Strauss-Kahn, advertiu que o mundo pode sofrer com uma tendência cada vez maior de desemprego.

Esopo, grande escritor de fábulas, diz o seguinte em “O Pastor e o leão”:

Certo dia, ao contar suas Ovelhas, um Pastor chegou à conclusão que algumas estavam faltando. Muito bravo, aos gritos, cheio de presunção e arrogância, disse que gostaria de pegar o responsável por aquilo e puni-lo, com suas próprias mãos, da forma merecida.

Suspeitava de um Lobo que vira afastar-se em direção a uma região rochosa entre as colinas, onde existiam cavernas infestadas deles.

Mas, antes de ir até lá, fez uma promessa aos deuses, dizendo que lhes daria em sacrifício, a mais gorda e bela das suas Ovelhas, se estes lhes ajudassem a encontrar o ladrão.

Após procurar em vão, sem encontrar, nenhum Lobo, quando passava diante de uma grande caverna ao pé da montanha, um enorme Leão, saindo de dentro, põe-se à sua frente, carregando na boca uma de suas Ovelhas. Cheio de pavor o Pastor cai de joelhos e suplica aos deuses:

“Piedade, bondosos deuses, os homens não sabem o que falam! Para encontrar o ladrão ofereci em sacrifício a mais gorda das minhas ovelhas. Agora, prometo-lhe o maior e mais belo Touro, desde que faça com que o ladrão vá embora para longe de mim!”

Conclusão: Quando encontramos aquilo que procuramos, logo tende a cessar nosso interesse inicial.


Moral da História:
Se os benefícios de uma coisa não nos são garantidos, devemos pensar duas vezes antes de desejá-la.

O FMI poderia ser muito bem esse pastor que indignado com a perda de empregos no mundo sai à procura do culpado e adverte a todos o que está acontecendo e pede para que todos possam ajudar a melhorar este quadro político-econômico, mas eis que quando faz esse pedido, descobre que o grande culpado é ele próprio; aí, para tentar fugir da armadilha armada contra si mesmo, pede para todos que esqueçam o que ocorreu, porque em tempos de crise é necessários alertarmos a todos sobre os perigos do desemprego mundial, mas quando a crise passa, devemos esquecer isso e continuar a fazer com que o ladrão vá embora, prometendo os mais variados presentes financeiros aos países que continuam na sua dependência.

Essa interpretação nada diz de novo ou até mesmo de interessante. Talvez forçássemos melhor o pensamento se interpretarmos a fábula do FMI de outra forma: assim como o pastor dirigi a sua responsabilidade aos deuses e se ver em apuros quando acredita que esses o atenderam, e para se livrar de tal perigo, novamente recorre aos deuses, o pastor demonstra sua dependência e incapacidade de cuidar de seu rebanho a partir de si mesmo.

Quando os países preferem agir de acordo com as exigências do FMI, ao invés de produzirem sua própria política econômica e são abatidos por crises desencadeadas pelo mercado mundial e o livre comércio, completamente abstratos e especulativos, procuram ajuda novamente no FMI e quando este mostra a solução, mais uma vez a armadilha está armada. Sem esquecermos que enquanto o pastor procura o grande culpado para puni-lo, o seu rebanho fica sozinho a mercê de todos os perigos possíveis, assim como o próprio FMI faz com que os Estados, que procuram por duas vezes seu auxílio, deixe os direitos dos trabalhadores também debilitados para poder atender suas exigências.

Se os benefícios de uma coisa não nos são garantidos, devemos pensar duas vezes antes de desejá-la.

No sentido de moral que damos aqui nesse breve texto: Quais os benefícios o FMI podem oferecer? E qual sua real preocupação com o desemprego no mundo? Qual moral podemos aprender da fábula do FMI e o desemprego no mundo?

Mas nos falta ainda algo: o que ocorreu com o lobo na fábula do FMI?


Para onde vai a Europa?

 

"Não cabe aos trabalhadores pagar a crise dos especuladores"

Da Agência Carta maior

A resposta à crise proposta pelos mercados (desregulamentação do mercado de trabalho, deflação salarial, desemprego estrutural, cortes orçamentários e privatizações) é cada vez mais voraz. A União Europeia necessita de outra estratégia. Estamos assistindo a uma verdadeira guerra dos mercados contra os Estados. O que estamos vendo é uma contrarrevolução social “thatchero-reaganiana”. A questão é saber se as sociedades europeias vão aceitar isso. A partir de agora, o problema para a Europa já não é econômico, mas sim político. O artigo é de Sami Nair.

Sami Nair

Depois da Grécia, a Irlanda. E depois, provavelmente, Portugal. Na sequência, não sabemos. O que é certo é que vários países estão ameaçados pelos mercados. A Espanha já está sob a alça da mira. Mas com o devido respeito pelos demais, o caso da Espanha é diferente. Trata-se da quarta economia da Europa (12% do PIB europeu) e é um peso pesado da política europeia. A dívida espanhola é três vezes superior à grega, seu déficit está, há dois anos, em torno de 10% do PIB, e o desemprego, que atinge todas as faixas de idade, está acima dos 20%. Se a Espanha recorrer ao fundo de resgate europeu, isso abriria também, de maneira inevitável, o caminho para ações especulativas contra Itália e França, o que significaria um giro decisivo para a Europa.

O paradoxo é que a estratégia europeia de saída da crise mundial (desregulamentação do mercado de trabalho, deflação salarial, desemprego estrutural, cortes orçamentários e privatizações) mostra os mercados cada vez mais vorazes. Daqui em diante, eles querem tudo. Essa estratégia, fundamentalmente recessiva, provoca um aumento legítimo das reivindicações sociais e políticas e dá lugar a perguntas que começam a ser formuladas espontaneamente pelas opiniões públicas. Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, expressa assim esse estado de ânimo: “Para Atenas, Madri ou Lisboa, se colocará seriamente a questão de saber se interessa continuar o plano de austeridade imposto pelo FMI e por Bruxelas, ou se, ao contrário, é melhor a voltar a serem donos de suas políticas monetárias” (Le Monde, 23-24 de maio de 2010).

Ainda não chegamos a esse ponto, mas se não mudarmos as regras do jogo, a divisão da zona euro se tornará uma hipótese séria. Pois está claro que não poderemos resolver esta crise somente com medidas restritivas que atingem as populações mais expostas (classes médias e populares), e menos ainda com medidas técnicas vinculantes como as apoiadas por Alemanha e França para ativar o fundo de resgate. O presidente do Banco Central alemão, Axel Weber, deu a entender, durante uma visita recente a Paris, que os 750 bilhões de euros deveriam ser de todo modo aumentados se a Espanha recorresse ao fundo. Isso não deve ter agradado muito ao ministro alemão de Finanças, Wolfgang Schäuble, que, em uma entrevista ao Der Spiegel (08/11/2010), informou: durante a fase crítica, prolongação da vida dos créditos; se isso não bastar, os investidores privados deverão aceitar uma depreciação de seus empréstimos em troca de garantias para o restante. Isso é o mesmo que agitar a capa vermelha diante dos investidores privados.

Estes reagiram imediatamente, colocando a Irlanda de joelhos e cercando Portugal antes de assinalar os alvos na Bélgica e na Espanha. Quanto falta para que passem ao ataque? A margem de confiança que concedem aos diferentes países da zona euro já é insustentável: a Alemanha encontra compradores de seus bônus a uma média de 2,7%, enquanto que a Espanha os negocia no melhor dos casos em torno de 5% e Portugal a 6,7%. Os países endividados emprestam, pois, a taxas cada vez mais proibitivas e, se às vezes conseguem ganhar uns pontos, é só porque o Banco Central compra alguns bônus, coisa que não poderá durar muito tempo.

Na verdade, estamos assistindo a uma verdadeira guerra dos mercados contra os Estados. Quando a crise começou, apontei (“A vitória dos mercados financeiros”, El País, 08/05/2010) que os mercados iam submeter à prova a capacidade de resistência dos Estados e dos movimentos sociais, e quem em caso de uma debilidade comprovada dos europeus para definir uma estratégia progressista comum frente à crise, os investidores iam incrementar sua vantagem atacando frontalmente os Estados mais fracos. Objetivos: desregulamentar ainda mais os mercados internos e exigir mais privatizações. É exatamente o que está ocorrendo hoje. O que estamos vendo é uma contrarrevolução social “thatchero-reaganiana”. A questão é saber se as sociedades europeias vão aceitar isso. Neste contexto, o estatuto do euro é um teste definitivo: será, finalmente, posto a serviço da promoção de um modelo social sustentável ou se tornará o vetor da destruição dos restos do Estado de bem estar europeu?

A partir de agora, o problema para a Europa já não é econômico, mas sim político. Se as medidas técnicas adotadas não conseguirem resolver as dificuldades dos países europeus, veremos a divisão da zona do euro anunciada por Stiglitz? E qual será a forma dessa divisão? Uma zona reduzida a seis, sem a Espanha? Uma zona baseada no desacoplamento entre uma moeda única para o casal franco-alemão e alguns outros países, e uma moeda comum para o resto? Um retorno às moedas nacionais? E, neste caso, o que será do mercado único? Ouvimos todos os dias dirigentes políticos afirmarem que estas hipóteses são impensáveis: mas estamos seguros de que controlam os fluxos monetários? Não estão submetidos ao uníssono da Bolsa? Tudo pode ocorrer?

Na verdade, está em jogo o futuro do projeto europeu. As regras de funcionamento do euro previstas pelo Tratado de Lisboa entram cada vez mais em contradição flagrante com as divergências de desenvolvimento dos diversos países da zona. Nenhum governo se atreve, aparentemente, a colocar em dúvida os dogmas que sustentam o Pacto de Estabilidade, ainda que, na prática, ninguém os respeite. Mas, se queremos salvar o euro, é preciso flexibilizar essas regras. E talvez mudá-las. É vital estabelecer, daqui em diante, uma coordenação forte das políticas econômicas europeias, ainda que a Alemanha, tutora do Banco Central, não queira ouvir falar de um “governo econômico”. Aqui está o coração da batalha para a sobrevivência da zona euro e não nas medidas coercitivas previstas pelo acordo adotado em 28 de outubro, em Bruxelas.

Para relançar a Europa, essa coordenação deverá enfrentar pelo menos quatro grandes tarefas; 1) Uma proteção do espaço monetário europeu, regulando efetivamente, como foi previsto na reunião da UE de 18/05/10, os fundos de investimento alternativos e sobretudo os instrumentos ultraespeculativos (hedge funds, private equity, CDS). Isso supõe que se pode pedir explicações ao Reino Unido para que ponha fim à política desestabilizadora da City, principal praça especulativa mundial. 2) Uma mutualização das dívidas públicas europeias com a criação de “bônus europeus” para os países endividados que recorrerem ao fundo de resgate. Para evitar que aumente a desconfiança dos mercados, a Alemanha deve aceitar que a ativação do mecanismo de resgate seja, sob condições precisas, mecânico e não negociável a cada caso, como ocorre agora. 3) A realização de um empréstimo para financiar uma grande política pública europeia de crescimento, de criação de emprego e de pesquisa-inovação, o que supõe uma reforma dos estatutos do Banco Central. 4) Uma harmonização fiscal comum da zona do euro apoiada por um reforço dos fundos de coesão para os países em dificuldades.

Estas medidas teriam um efeito de arrasto prodigioso. Elas fariam os investidores refletir e criariam um impacto psicológico salvador para mobilizar os povos europeus. Na verdade, a escolha é simples: ou bem a Europa sairá desta crise reforçada e capaz de enfrentar a nova geopolítica da economia mundial opondo aos mercados um interesse geral europeu, baseado em estratégias cooperativas entre as nações europeias, ou bem, atolada em seus egoísmos nacionais, terminará ardendo em cinzas moribundas.

(*) Sami Nair é professor convidado da Universidade Pablo de Olavide, Sevilha. Publicado originalmente no jornal El País (16/12/2010)

Tradução: Katarina Peixoto

Fotos: “Não cabe aos trabalhadores pagar a crise dos especuladores”: manifestação em França, Maio de 2010. Foto de Philippe BIDET, Phototèque du Mouvement Social

GREVE NA FRANÇA E A CONSTITUIÇÃO DO COMUM

A França enfrentará hoje a sexta grande paralisação nacional causada por uma greve geral. A greve reúne trabalhadores de diversos setores como do transporte metropolitano, portuário, caminhoneiros, ferroviários, entre outros, e coloca como principal preocupação para o governo do presidente francês Sarkozy a falta de combustível para o país.

Segundo informações do Correio Braziliense:

“O desabastecimento de combustível gerado pela adesão das refinarias à greve contra a reforma da Previdência — que irá à votação amanhã no Senado — obrigou o governo francês a criar uma “célula interministerial de crise”. Pelo menos quase 1,5 mil postos de gasolina dos 12,5 mil existentes no país estavam ontem sem combustível, segundo cálculos da União de Importadores Independentes de Petróleo (UIP), que representa os distribuidores instalados em hipermercados. Para hoje, é prevista um greve geral. Mas o presidente francês, Nicolas Sarkozy, disse que não irá ceder às pressões. “A reforma é essencial, e a França está comprometida em fazê-la e levá-la adiante, assim como fizeram nossos parceiros alemães”, afirmou”.

A greve geral é motivada principalmente pela reforma na Previdência no país que eleva a idade mínima  de 60 para 62 anos para aposentadoria e de 65 para 67 anos, no caso de recebimento do salário integral (maiores informações aqui). Tal reforma é o efeito de políticas neoliberais impostas aos governos que devem seguir medidas de austeridade como, por exemplo, cumprirem em seis meses medidas destinadas a redução dos déficits, sendo que serão penalizados, caso não consigam, pelos órgãos financeiros multinacionais.

Há investimentos diretos sobre a produção e a reprodução da vida nestas medidas de austeridades que são impostas como pílulas neoliberais aos países sob o controle deste tipo de “economia política”. Portanto, há uma dimensão “biopolítica” que tenta a todo custo gerir a vida e controlá-la, a ser combatida; assim, como há também, uma biopolítica que corresponde a produção de subjetividades que não se constituem como produtos do controle do tempo, do espaço, da lógica monetária e outras imposições do neoliberalismo, mas como produções livres.

Em outras ocasiões na França, este tipo de greve, descrita por Antonio Negri como uma nova forma de luta: “greve metropolitana”, onde os principais serviços públicos afetados eram justamente o transporte metropolitano, geraram alguns acontecimentos de interesse deste filósofo.  O filósofo Negri, em Conferência Inaugural do II Seminário Internacional Capitalismo Cognitivo – Economia do Conhecimento e a Constituição do Comum. 24 e 25 de outubro de 2005, Rio de Janeiro, relacionando estes acontecimentos na França com o que é a constituição do comum, disse:

Então, o que é a propriedade comum? A propriedade comum, do ponto de vista jurídico, é facílima de definir: é uma propriedade pública que, em lugar de ter patrões públicos ou donos públicos, é de sujeitos ativos naquele setor ou naquela realidade, é administrada por eles. A propriedade comum é esse ato, é essa atividade através da qual os sujeitos administram ou gerem, por exemplo, a rede de transportes urbanos porque a rede de transporte urbanos é deles, porque o comum se tornou ou é reconhecido como uma condição para a vida, uma condição biopolítica. O que significa, por exemplo, uma metrópole sem transporte? Nada. O transporte urbano, sobretudo nas grandes metrópoles, é o transporte que dá a dignidade, a possibilidade de circular rapidamente nesse espaço. No espaço da comunicação são a informática e a telemática as que possibilitam essa propriedade comum. A propriedade comum não passa simplesmente pelo Estado, passa pelo exercício que as singularidades fazem desse espaço comum, pela maneira de exercer esse espaço comum. Não depende de etapas no sentido de primeiro fazermos isto e depois fazermos aquilo, como durante tanto tempo ensinaram muitas dogmáticas socialistas (primeiro fazemos isso e depois aquilo e aquilo outro será possível depois de fazer aquela outra coisa). Não é verdade. Agora se trata é de pôr em movimento tudo a uma só vez. Portanto, para além da propriedade pública, a definição jurídica do comum é aquela que possibilita fazer atuar dentro do caráter público a

construção de espaços comuns reais, que são estruturas comuns, e fazer atuar nesses espaços de vontade a decisão, o desejo e a capacidade de transformação das singularidades. Isto é uma das coisas que mais me condicionou na vida e que mais condicionou meu pensamento.

Eu fui conquistado por uma greve e Paris no inverno de 1995 para 1996. Era uma greve inicialmente de defesa corporativa do serviço público, dos empregados do metrô e dos transportes de superfície. Em pouquíssimo tempo se transformou em uma enorme luta que durou três meses, uma luta metropolitana para manter o serviço público, para proibir a privatização dos serviços públicos e para defender, de maneira geral, o que esse serviço representava para os cidadãos de Paris. O poder fez de tudo, claro, para intervir, incitando protestos de usuários e outras coisas que estão nos manuais de Ciência Política. Mas não conseguiram nada. Na neve, 8 milhões de parisienses se deslocavam com automóveis particulares, que paravam nos pontos de ônibus ou nas estações de metrô, abriam as portas e levavam quatro ou cinco pessoas até onde necessitavam ir. Isto se prolongou durante três meses e isto é a constituição do comum. É esta participação, esta capacidade de assumir pelas próprias mãos as condições biopolíticas da própria existência, do próprio modo de trabalhar. Esta é uma indicação que tem uma importância em minha experiência. É fundamental tirar as conseqüências disto, uma espécie de pequena filosofia do comum. Esse comum, como já disse, está fundamentalmente articulado, no sentido mais pleno da palavra, com o movimento e a comunicação das singularidades. Não existe um comum que possa ser referido simplesmente a elementos orgânicos ou a elementos identitários. O comum é sempre construído por um reconhecimento do outro, por uma relação com o outro que se desenvolve nessa realidade. Às vezes chamamos essa realidade de multidão porque quando se fala de multidão, de fato, se fala de toda uma série de elementos que objetivamente estão ali e que constituem o comum. Mas o problema é simplesmente ser comuns ou ser multidão, o problema é fazer multidão, construir multidão, construir comum, construir comumente, no comum. Este fato é cada vez mais fundamental.

“A conferência completa em forma de texto poder baixada aqui

 

DILMA DARÁ CONTINUIDADE À POLÍTICA DE VALORIZAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO

Ao contrário do que o candidato José Serra declarou semanas atrás, que em um provável governo seu só haveria aumento do salário mínimo quando fosse possível, sem explicações, evidenciando uma das características perversa do neoliberalismo que é a de fazer com que o Estado corte qualquer relação de solidariedade e legal com os trabalhadores, a candidata do presidente Lula, Dilma, disse que vai dar continuidade à política de valorização do salário mínimo do atual governo federal:

“Acredito, e acho que nós demonstramos isso, ao longo do nosso governo, que é possível reajustar o salário mínimo acima da inflação e manter a inflação sobre controle”, afirmou Dilma.

Dilma ainda levantou a questão de que a valorização do salário mínimo, com seu aumento planejado, é uma política responsável pelo crescimento interno do Brasil, bem como de sua “consistência”. Sabendo que a economia não se reduz a estatísticas, mas ao crescimento real da dignidade na vida das pessoas, Dilma esclareceu que esta política de valorização, aliada ao crédito e a formalização de empresas, é geradora de novos postos de trabalho formais e que:

“Junto com isso, os programas sociais, como o Bolsa Família, o Luz para Todos, o programa de aquisição de alimentos, todos esses fatores confluíram para, de fato, termos a redução da desigualdade que beneficiou todos os brasileiros”.

Inclusive foram ações como essas que contribuíram para que o Brasil pudesse resistir a crise econômica internacional.

PARA ALÉM DOS DIREITOS (HUMANOS) INDIVIDUAIS DO NEOLIBERALISMO

A evidente preocupação do neoliberalismo com o indivíduo e com uma pretensa liberdade onde os que são favorecidos são aqueles que constituem as classes abastadas alimentadas pela acumulação do capital por espoliação e pela busca incessante do crescimento econômico seja lá quais forem as suas conseqüências sociais, ecológicos e políticas, determina uma compreensão dos direitos humanos onde o que tem que ser respeitado é o Estado  subserviente a lógica do capital, abrindo assim as portas do mundo para um ativismo dos direitos humanos, estritamente, individual. Daí vozes midiáticas passivas formularem um discurso, que sai de dentro do neoliberalismo, sobre o caso da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani; ao mesmo tempo em que não conseguem perceber um mundo inteiro de violências sociais e torturas constituídas pelo próprio neoliberalismo.

Abaixo o texto do professor Reginaldo Nasser*, extraído do portal Agência Carta Maior.

SERÁ QUE STALIN TINHA RAZÃO?

O caso da iraniana, Sakineh Mohammadi Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento, tem despertado a atenção da mídia internacional e já causou protestos em vários países. Nada mais justo! Mãe de duas crianças, já recebeu 99 chibatadas por ter mantido um “relacionamento ilícito” com um homem acusado de assassinar seu marido. Além disso, há indícios de que tenha sido torturada. O Irã é um dos paises onde mais têm ocorrido execuções (388) no mundo com um aumento significativo após a fraude eleitoral, mas não é caso único. Segundo estimativas da Anistia Internacional aproximadamente 714 pessoas foram executadas em 2009. (Iraque, 120; Arábia Saudita, 69; EUA, 52; Yemen, 30. A China não fornece nenhum tipo de informação, provavelmente foram milhares). Houve repercussão? Ou o problema maior é o apedrejamento num país inimigo?

No Iraque, um país sob ocupação dos EUA, foram assassinadas (“assassinatos pela honra”), somente em Bagda, 133 mulheres em 2007. Mas, devemos olhar para outros registros também. Numa pesquisa realizada pelo conceituado jornal médico The Lancet, estima-se que mais de 600 mil iraquianos foram mortos como resultado da invasão dos EUA até 2006. Calcula-se que já está em torno de mais de um milhão de Iraquianos mortos de acordo com a Opinion Research Business (conceituada agência britânica de pesquisa). A grande imprensa não deu o devido destaque, mas há uma discussão no Congresso dos EUA sobre a possibilidade de cortar a ajuda humanitária às vítimas civis de ataques das forças americanas.

Nesse mês de agosto, em que o tema dos Direitos Humanos passou a ser ventilado por todos, inclusive pelo Jornal Nacional que questionou a candidata do PT, deveríamos aproveitar a ocasião das “celebrações” e relembrar o que aconteceu há exatamente 65 anos para podermos compreender como as potências mundiais se preocupam com os direitos humanos.

O então presidente dos EUA Harry Truman foi um dos maiores entusiastas da Declaração Universal dos Direitos humanos aprovada na ONU em Dezembro de 1948. (Será preciso lembrar a condição de desrespeito aos direitos humanos dos negros nos EUA?) Isso mesmo, 3 anos após ( Agosto de 1945) ter autorizado o lançamento das bombas nucleares que causou a morte imediata de 200 mil pessoas e aproximadamente 100 mil feridos com o objetivo “humanitário” de “salvar milhões de vidas”, proporcionando um fim rápido para a guerra.

Para além das questões morais envolvidas, foi necessário o ataque nuclear? O Japão já havia sido derrotado militarmente. Contra a defesa área e marítima japonesa praticamente aniquiladas, os bombardeiros dos EUA promoviam uma verdadeira devastação em suas cidades. Na noite de 10 março de 1945, uma onda de 300 bombardeiros americanos atingiu Tóquio, matando 100 mil pessoas e queimando 35 % das residências. Um milhão de moradores foram desalojados. A comida tinha-se tornado tão escassa que a maioria dos japoneses sobreviviam com uma dieta de fome. No dia 23 de maio ocorreu a maior incursão aérea da Guerra do Pacífico, quando foram lançadas 10 mil toneladas de bombas incendiárias em Tóquio e outras grandes cidades (veja esse relato no Filme: A Nevoa da Guerra).

De acordo com comandante da força aérea americana, LeMay, o objetivo dos bombardeiros americanos era conduzir os japoneses “de volta à idade da pedra”. Mas o mesmo general disse que “A bomba atômica não tinha nada a ver com o fim da guerra.” Hoje, há farta documentação mostrando que os japoneses, em meados de abril de 1945, estavam oferecendo termos de rendição praticamente idênticos aqueles que foram aceito pelos norte-americanos em setembro (ver a excelente pesquisa histórica sobre essa questão no The Journal of Historical Review, May-June 1997, Vol. 16, No.3).

Em que termos deve ser colocado o debate sobre direitos humanos? Se a tortura e a pena de morte devem ser repudiadas, independentemente das circunstâncias, a questão dos meios e sua efetividade são irrelevantes? Por que condenar a tortura e silenciar sobre atos de “guerra”? Por exemplo, os bombardeios, que se sabe previamente que causam dano à vida humana, dado o seu alto poder destrutivo, são justificáveis para a segurança e a defesa nacional? Para o mainstream as operações militares, em que morrem ou resultam feridos civis, não podem ser qualificados imediatamente como crimes, sempre que seu objetivo não seja infligir “deliberadamente” o individuo indefeso.

Será preciso dar razão a Stalin quando disse que “A morte de uma pessoa é uma tragédia; a de milhões, uma estatística”?

(*) Professor de Relações Internacionais da PUC-SP