Milhares de pessoas participam de greve geral na Grécia

Retirado da Agência Carta Maior

O centro de Atenas encheu-se nesta quarta-feira de milhares de manifestantes que protestaram contra as medidas de austeridade implementadas pelo governo e contra um novo plano de ajuda externa. Trabalhadores de transportes públicos, serviços públicos, saúde e educação paralisaram suas atividades. Governo quer arrecadar cerca de 76 bilhões de euros até 2015 mediante a privatização de empresas estatais e a venda de bens públicos

Esquerda.net

A segunda greve geral promovida em 2011 surge no momento em que já se sabe que o governo pretende aplicar um novo plano de austeridade para arrecadar cerca de 76 bilhões de euros até 2015 mediante a privatização de empresas estatais e a venda de bens públicos, e em que surgem informações que apontam para a necessidade da Grécia reestruturar a sua dívida e solicitar um novo plano de ajuda externa.

Milhares de manifestantes concentraram-se no centro de Atenas em resposta ao apelo lançado pela Confederação de Trabalhadores da Grécia (GSEE), que representa 1,5 milhão de pessoas, e o Sindicato de Funcionários Civis (ADEDY), que representa outros 700 mil.

Empunhando cartazes contra o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a União Europeia, os gregos exigem que “os ricos paguem a crise e não o povo”, e apelam ao povo para que não baixe a cabeça e não se deixe vencer.

Vassilis Xenakis, representante de um sindicato do setor público, afirmou à BBC Radio 4 que “há um ano, o governo anunciou e tomou algumas medidas contra os funcionários públicos, contra os trabalhadores, contra os salários” e “o resultado foi que a população ficou mais pobre, os mercados estão congelados, não há crescimento, não há produtividade e ninguém investe”. Agora, adianta Vassilis, “o governo volta a pedir mais medidas, mas quem é que pode aceitar novamente essas medidas sem resultados?”.

Lojas fechadas, vôos cancelados, transportes públicos paralisados, escolas encerradas e hospitais em serviços mínimos. Este foi o cenário com que se deparam os atenienses logo pela manhã.

Também os jornalistas aderiram à greve de 24 horas que juntou a função pública e o setor privado contra as políticas de austeridade e os planos de privatização do governo.

Segundo noticia do El Pais, as autoridades gregas utilizaram gás lacrimogéneo para dispersar alguns manifestantes, sendo que um agente ficou ligeiramente ferido e pelo menos cinco manifestantes foram transportados de ambulância para o hospital.

As autoridades gregas apontaram um total de 20.000 manifestantes em Atenas.

Fotos: Foto de Pantzartzi, EPA/Simela

Manifestantes e policiais se enfrentam em Atenas em greve geral contra medidas para conter Crise

Da BBC Brasil

Policiais e manifestantes se enfrentaram nesta quarta-feira nas ruas da capital da Grécia, Atenas, em meio a uma greve geral e a protestos devido ao plano de austeridade financeira proposto pelo governo e aprovado pelo Parlamento.

Os confrontos ocorrem na Praça Syntagma, do lado de fora do Parlamento grego, onde manifestantes destruíram carros, arremessaram coquetéis Molotov e pedras contra os policiais, que responderam jogando bombas de gás lacrimogêneo.

Segundo o correspondente da BBC em Atenas Malcolm Brabant, os participantes dos protestos também perseguiram e agrediram o congressista conservador e ex-ministro Kostis Hatzidakis depois que ele saiu do prédio do Parlamento.

Hatzidakis foi atacado sob gritos de “ladrão”. Testemunhas afirmam que o ex-ministro ficou com o rosto ensanguentado. Brabant definiu os confrontos como “violentos” e “muito graves”.

A greve geral convocada por diversos sindicatos afetou os serviços de transporte, como trens e táxis, prejudicando o trânsito em Atenas. Além disto, diversos aviões foram impedidos de decolar nos aeroportos do país.

A greve geral também afetou o atendimento em hospitais e deixou diversas escolas fechadas.

Esta é a sétima paralisação na Grécia somente este ano devido ao ajuste fiscal iniciado pelo governo em maio, quando o país recebeu uma ajuda financeira de 110 bilhões de euros (cerca de R$ 250 bilhões) do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da União Europeia (UE).

Trabalhadores de outros países europeus, como Espanha e Irlanda, também marcaram greves gerais e manifestações nesta quarta-feira, em protesto contra os ajustes econômicos impostos pelos governos.

Reformas aprovadas

Nessa terça-feira, o Parlamento da Grécia aprovou reformas que, entre outros pontos, estabelece um teto para os salários de funcionários de vários serviços públicos, como dos transportes.

Já no setor privado, os empregadores não precisarão mais respeitar acordos negociados pelos sindicatos e poderão definir eles mesmos os salários dos trabalhadores.

Malcolm Brabant afirma que o governo se recusou a sair do curso das reformas propostas, apesar da pressão dos sindicatos.

O repórter da BBC diz ainda que muitos gregos apóiam a greve geral, por acreditar que os trabalhadores do país estão sendo sacrificados pelo FMI e pela UE em um grande experimento econômico.

VICENÇ NAVARRO E A FICÇÃO DOS MERCADOS FINANCEIROS

Na realidade, os mal denominados mercados têm muito pouco de mercado. São bancos com muito lucro e poucos riscos. Se os mercados financeiros fossem mercados de verdade, os bancos teriam de absorver as perdas em investimentos financeiros falidos. Esses bancos gozam de um grande protecionismo fornecido pelos estados, assim como por instituições como o FMI que garantem os seus exuberantes lucros à custa de enormes reduções dos gastos públicos e da proteção social das classes populares. O que o FMI faz é a transferência de fundos das classes populares para os bancos. O artigo é de Vicenç Navarro.

Vicenç Navarro – Esquerda.Net (via Agência Carta Maior).

Este artigo assinala que os mal denominados mercados financeiros não correspondem às características que definem os mercados, pois os seus agentes – os bancos – gozam dum grande protecionismo fornecido pelos estados, assim como por instituições internacionais – como o Fundo Monetário Internacional – que garantem os seus exuberantes lucros à custa de enormes reduções dos gastos públicos e da proteção social das classes populares. O artigo mostra exemplos deste protecionismo no caso dos EUA e na mal denominada “ajuda” do FMI-Euro aos países com elevados déficits e dívida pública, como a Grécia, que é em realidade ajuda primordialmente para os bancos europeus.

A linguagem que se utiliza para explicar a crise é uma linguagem que aparenta ser neutra, meramente técnica, quando, na realidade, é profundamente política. Assim, dizem-nos que os “mercados financeiros” estão forçando os países da União Europeia e, muito em especial, os países mediterrânicos – Grécia, Portugal e Espanha – e Irlanda, a seguir políticas de grande austeridade, reduzindo os seus déficits e dívida públicos, com o objetivo de recuperar a confiança dos mercados, condição necessária para alcançar a recuperação econômica. Como disse há uns dias Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu (BCE): “A condição para a recuperação econômica é a disciplina fiscal, sem a qual os mercados financeiros não certificam a credibilidade dos estados” (Financial Times, 15-05-10).

A realidade, contudo, é muito diferente. Estas medidas de austeridade, promovidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pela União Europeia (UE), estão criando uma grande deterioração da qualidade de vida das classes populares, pois estão afectando negativamente a sua proteção social e destruindo emprego, dificultando a sua recuperação econômica. Assim aconteceu na Lituânia, onde o PIB diminuiu 17% e o desemprego alcançou 22% da população ativa (veja-se o meu artigo Quién paga los costes del euro?). Uma situação semelhante ocorrerá nos países citados anteriormente.

Pareceria, pois, que são os mercados financeiros que estão a impor estas políticas aos governos. Ora bem, que quer dizer “os mercados financeiros”? Em teoria, na dogmática liberal que domina os establishments europeus (o Conselho Europeu, o BCE e a Comissão Europeu, assim como nos governos da maioria dos países da UE), os mercados são um processo de livre comércio entre agentes financeiros – os bancos – que obtêm benefícios para compensar os seus riscos, pois que se assume que existem riscos em tais mercados. Mas tal retórica não define a realidade, pois tais entidades – os bancos – operam em âmbitos e instituições enormemente protecionistas dos seus interesses, nos quais o risco, em geral, brilha pela ausência. Na realidade, os mal denominados mercados têm muito pouco de mercado. São bancos com muito lucro e poucos riscos. E o que está a acontecer mostra a certeza deste diagnóstico.

Nos EUA, onde existe amplo consenso sobre o fato de que a crise financeira foi iniciada pelos comportamentos de Wall Street, a crise bancária foi resolvida com a entrega aos bancos de quase um bilião de dólares pagos pelo Estado, que beneficiou enormemente os banqueiros e os seus acionistas, conseguindo inclusive mais benefícios do que os que tinham antes da crise. A obscenidade de tais benefícios e as práticas desonestas e criminosas dos banqueiros (causadores da crise) explicam a sua enorme impopularidade e a de tais medidas, que não se repercutiram favoravelmente sobre a população, que viu como os seus padrões de vida diminuíram devido à crise provocada pelos bancos. Não foram os mercados, mas os bancos e os seus políticos no Congresso (com nomes e apelidos conhecidos) e nas administrações Clinton, Bush e Obama (também com nomes e apelidos conhecidos) que criaram a crise, salvaram os bancos e agora apelam à austeridade.

Uma situação quase idêntica está acontecendo na UE. Os comportamentos especulativos da banca europeia foram consequência de decisões políticas que desregularam a banca, decisões que se tomaram particularmente, não apenas em Wall Street, mas também nos centros financeiros, principalmente a City de Londres e Frankfurt, consequência da enorme influência da banca sobre os governos britânico e alemão. A mal denominada “ajuda” do FMI-EU (de 750 bilhões de euros) aos países com dificuldades não é uma ajuda às populações daqueles países, mas sim aos bancos (e muito em especial aos alemães e franceses) para assegurar-lhes que os Estados lhes pagarão as dívidas com os juros confiscatórios que exigiram. Na realidade, se os mercados financeiros fossem mercados de verdade (e, portanto, houvesse competitividade e risco no seu comportamento), os bancos teriam de absorver as perdas em investimentos financeiros falidos. Se o Governo da Grécia, por exemplo, fosse à bancarrota, a banca alemã teria de absorver as perdas por ter tomado a decisão de comprar títulos do Estado grego.

Ora bem, isto não acontece nos mal denominados mercados financeiros devido a haver toda uma série de instituições que protege os bancos. E a mais importante é o FMI, que empresta dinheiro aos Estados para que o paguem aos bancos. Daí que, como nos EUA, os bancos nunca perdem. Quem perde são as classes populares, pois o FMI exige aos governos que extraiam o dinheiro dos serviços públicos das tais classes populares para pagar aos bancos. O que o FMI faz é a transferência de fundos das classes populares para os bancos. Isto é o que se chama “conseguir a credibilidade dos Estados face aos mercados”.

Estas transferências, contudo, além de serem profundamente injustas, são enormemente ineficientes. O fracasso das políticas de austeridade propostas pelo FMI nos países em crise é bem conhecido, o que explica o descrédito de tal instituição. O FMI, desde a era Reagan, é a organização financeira que impôs mais sacrifícios às classes populares dos países que receberam a “sua ajuda”, com resultados económicos altamente negativos, tal como denunciou correctamente Joseph Stiglitz. Não são os mercados, mas os interesses bancários e seus aliados – entre os quais se destacam o FMI e o BCE – que estão a impor estes sacrifícios. Ao menos, chamemos os culpados pelo nome.

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Artigo publicado por Vicenç Navarro no diário PÚBLICO, 20 de Maio de 2010
(*) Vicenç Navarro ha sido Catedrático de Economía Aplicada en la Universidad de Barcelona. Actualmente es Catedrático de Ciencias Políticas y Sociales, Universidad Pompeu Fabra (Barcelona, España). Es también profesor de Políticas Públicas en The Johns Hopkins University (Baltimore, EEUU) donde ha impartido docencia durante 35 años. Dirige el Programa en Políticas Públicas y Sociales patrocinado conjuntamente por la Universidad Pompeu Fabra y The Johns Hopkins University. Dirige también el Observatorio Social de España

Tradução para o Esquerda.net de Paula Sequeiros

DE LULA, SOBRE A CRISE NA GRÉCIA: “ESSA CRISE NÃO É DA ESQUERDA”

A respeito da crise na Grécia, a qual podemos facilmente perceber como um efeito das práticas exercidas pela doutrina liberal e neoliberal sobre o governo grego, o presidente do Brasil, Lula, que participa da 6ª Cúpula União Europeia, América Latina e Caribe, em Madri, disse ao primeiro-ministro da Grécia, Georga Papandreou:

“Essa crise não é da esquerda. Sabe o que me deixa constrangido? É que a direita faz as crises e depois a esquerda tem que fazer o corte nos salários, que eles não fizeram”. E continuou: “Por isso que eu acho que tem um debate político e não apenas econômico.”

O primeiro-ministro grego, por sua vez, acrescentou: “E ainda somos responsáveis pela crise”. Recentemente a Grécia teve que pedir empréstimo à União Européia e ao Fundo Monetário Internacional (FMI) em tentativa de aliviar as tensões entre os gregos. Contudo, as condições impostas para o recebimento do empréstimo é o governo grego colocar em prática medidas de austeridades que vão do corte de salários, desempregos a cortes previdenciários.

Segundo a Agência Brasil:

“Lula e Papandreou conversaram hoje por cerca de 40 minutos. A conversa ocorre no momento em que a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional se comprometeram a enviar um total de 110 bilhões de euros para evitar a ampliação da crise para outras regiões da Europa. Os recursos chegam à Grécia no mesmo dia em que o país precisa pagar 8 bilhões de euros a credores internacionais”.

As crises provocadas pelas medidas liberais e neoliberais quando socorridas por empréstimos de instituições financeiras que ao mesmo tempo são credoras e carregam, nestes momentos, o rótulo de salvadoras, provocam uma enorme bola de neve responsável por fazer com que o estado de crise se agrave mais ainda, posto que o país, cada vez mais, torna-se dependente de uma economia e de decisões políticas de instituições e países estrangeiros, bem como do capitalismo financeiros e suas especulações.

O presidente Lula foi elogiado por autoridades presentes no evento quando contrastou esta situação ao dizer que o Brasil apresentou uma solução para não ser infectado completamente pela crise financeira global, adotando medidas de estímulos ao consumo. Entre outros presentes estavam o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luis Antonio Moreno.

UMA POESIA, UM CONTO, UMA HISTÓRIA

PROMETEU
(ou o mito do sacrifício)

Prometeu “A cena se passa, dizem, em Mekoné. Mekoné é um tipo de planície que existe no Peloponeso, na Grécia, uma planície de fertilidade, um tipo de terra da idade de ouro, onde tudo funciona sozinho. E a cena se passa em tempos muito antigos, em que os homens e os deuses ainda não se haviam separado.

Eles viviam juntos, banqueteavam juntos, e os homens passavam suas vidas, como os deuses, a regozijar-se nos banquetes sem conhecer nem os trabalhos, nem a fadiga, nem as doenças, nem a morte (eles dormiam ao final de longuíssimas vidas, como aspiramos ao sono), nem as mulheres, e eles nasciam da terra.

É isso, mas veio um momento em que Zeus, tendo dividido as honras entre os deuses, tendo colocado os Titãs onde devem estar, quer dizer, na sombra do Tártaro, é preciso saber o que fazemos entre os homens e os deuses, onde é a linha de separação. E Prometeu, um titã muito esperto, muito sutil, quase tão inteligente quanto Zeus, muito enganador e muito próximo dos homens em certos aspectos, é o encarregado oficialmente de fazer a separação.

O que faz?

Ele leva – primeiro ato – um grande boi. Este boi é morto e Prometeu o corta, faz dele duas partes. Uma irá – é Zeus quem escolherá – para os deuses. A outra, para os homens. E a linha de divisão entre os deuses e os homens seguirá a separação das partes. Mas Prometeu fez um truque. Essas duas partes serão armadilhas e mentiras. Por quê? Porque os ossos, os ossos brancos, desnudos, não comestíveis, ele os recobriu com uma camada de gordura branca e apetitosa. O apetite lhesZeus vêm à boca só de ver o embrulho. Por outro lado, tudo o que é bom de comer, as carnes, tudo foi envolto pelo estômago do animal, de aspecto repulsivo e na sua pele; isso parece um refugo. E disseram a Zeus para escolher. Zeus, que é mais esperto que Prometeu, entende e diz: “bom, muito bem”. E ele pega a parte aparentemente mais bela. Ele abre a gordura, vê os ossos e diz: “bem, vamos ver isto”.

E no segundo ato, a vingança de Zeus. Até agora, os homens se beneficiavam do fogo celeste, que estava à disposição deles porque ele caía sobre os freixos e eles participavam do fogo divino. E Zeus lhes nega o fogo. O que eles farão com a carne que agora eles têm? Será que a comerão crua como os animais ou tentarão achar outra solução? Prometeu sobe ao céu, e no seio de um funcho, uma planta que é uma mentira, em vez de seca no exterior e úmida no interior, é úmida no exterior e seca no interior. E ele dissimula, esconde, a semente do fogo – sperma puros. Ele a esconde no funcho e volta a descer do céu com seu funcho verde na mão, no qual queima a semente do fogo e ele dá esse fogo aos humanos.

E eis que os homens tem o fogo, um fogo culinário. Eles vão cozinhar a carne com ele, um fogo que é ao mesmo tempo técnico, mas um fogo que foi escondido, como as partes da comida que estavam escondidas sob um falso envelope. É um fogo perecível, é preciso alimentá-lo continuamente, senão desaparece. É um fogo que foi engendrado, é uma semente de fogo.

Quando Zeus vê – terceiro ato – o fogo das cozinhas que queima na terra, sua cólera é sem limites e, nesse momento, ele decide esconder o trigo Bios, a vida, o que faz viver os homens. Ele esconde o trigo e, como conseqüência, o trigo que nascia sozinho, sem que fosse necessário que se trabalhasse, dali em diante, será preciso que os homens escondam a semente de trigo na terra para que ela germine.

Pandora E então, na seqüência, Zeus não se contenta em fazer isso. Ele pede a Hefestos para molhar com água a terra e fazer dela uma jovem virgem à semelhança das deusas. Ele cria a que será chamada de Pandora, o dom de todos os deuses, porque todos os deuses a enchem de graças. Então, esse ser que é o ancestral da raça das mulheres, é extremamente tão desejável quanto a gordura que encobria os ossos desnudos, tão verdejante e jovem quanto o talo que escondia o fogo no interior. Mas, atrás do charme que emana dela e que provoca amor e admiração, o que existe? Existe, primeiro, que ela é da terra. E existe que nela colocaram um espírito de cadela, uma espécie de animalidade, de bestialidade e todo tipo de mentira, um espírito mentiroso. Ela mesma é uma armadilha e uma mentira, como as que Prometeu fizera.

Então, Zeus envia esse manequim, que é ao mesmo tempo uma moça pronta para o casamento e uma imagem falaciosa da beleza divina, escondendo a bestialidade interior. Ele a envia a Epimeteu, irmão de Prometeu, porque Prometeu, que quer dizer o previdente, o astucioso, o que sabe de antemão, tem como irmão Epimeteu, o irrefletido, o que só entende tarde demais, quando tudo está terminado, quando tudo está jogado. Epimeteu acolhe esta mulher, ele a vê, ele a toma em casa, e nesse momento o destino de Zeus se realiza.

Pandora abre um jarro, não importa de onde vem, e neste jarro existem todos os males invisíveis. Pandora é um mal visível, que tem a aparência de um bem, pois a amamos. Mas ele abre um jarro, de onde saem os males que saberíamos que são males se os víssemos, mas não os vemos: as doenças, a chegada da morte, a fome, etc.

E assim, a condição humana está selada”.

(Retirado de entrevista com Jean Pierre Vernant, exibida na TV Escola)