UMA POESIA, UM CONTO, UMA HISTÓRIA

PROMETEU
(ou o mito do sacrifício)

Prometeu “A cena se passa, dizem, em Mekoné. Mekoné é um tipo de planície que existe no Peloponeso, na Grécia, uma planície de fertilidade, um tipo de terra da idade de ouro, onde tudo funciona sozinho. E a cena se passa em tempos muito antigos, em que os homens e os deuses ainda não se haviam separado.

Eles viviam juntos, banqueteavam juntos, e os homens passavam suas vidas, como os deuses, a regozijar-se nos banquetes sem conhecer nem os trabalhos, nem a fadiga, nem as doenças, nem a morte (eles dormiam ao final de longuíssimas vidas, como aspiramos ao sono), nem as mulheres, e eles nasciam da terra.

É isso, mas veio um momento em que Zeus, tendo dividido as honras entre os deuses, tendo colocado os Titãs onde devem estar, quer dizer, na sombra do Tártaro, é preciso saber o que fazemos entre os homens e os deuses, onde é a linha de separação. E Prometeu, um titã muito esperto, muito sutil, quase tão inteligente quanto Zeus, muito enganador e muito próximo dos homens em certos aspectos, é o encarregado oficialmente de fazer a separação.

O que faz?

Ele leva – primeiro ato – um grande boi. Este boi é morto e Prometeu o corta, faz dele duas partes. Uma irá – é Zeus quem escolherá – para os deuses. A outra, para os homens. E a linha de divisão entre os deuses e os homens seguirá a separação das partes. Mas Prometeu fez um truque. Essas duas partes serão armadilhas e mentiras. Por quê? Porque os ossos, os ossos brancos, desnudos, não comestíveis, ele os recobriu com uma camada de gordura branca e apetitosa. O apetite lhesZeus vêm à boca só de ver o embrulho. Por outro lado, tudo o que é bom de comer, as carnes, tudo foi envolto pelo estômago do animal, de aspecto repulsivo e na sua pele; isso parece um refugo. E disseram a Zeus para escolher. Zeus, que é mais esperto que Prometeu, entende e diz: “bom, muito bem”. E ele pega a parte aparentemente mais bela. Ele abre a gordura, vê os ossos e diz: “bem, vamos ver isto”.

E no segundo ato, a vingança de Zeus. Até agora, os homens se beneficiavam do fogo celeste, que estava à disposição deles porque ele caía sobre os freixos e eles participavam do fogo divino. E Zeus lhes nega o fogo. O que eles farão com a carne que agora eles têm? Será que a comerão crua como os animais ou tentarão achar outra solução? Prometeu sobe ao céu, e no seio de um funcho, uma planta que é uma mentira, em vez de seca no exterior e úmida no interior, é úmida no exterior e seca no interior. E ele dissimula, esconde, a semente do fogo – sperma puros. Ele a esconde no funcho e volta a descer do céu com seu funcho verde na mão, no qual queima a semente do fogo e ele dá esse fogo aos humanos.

E eis que os homens tem o fogo, um fogo culinário. Eles vão cozinhar a carne com ele, um fogo que é ao mesmo tempo técnico, mas um fogo que foi escondido, como as partes da comida que estavam escondidas sob um falso envelope. É um fogo perecível, é preciso alimentá-lo continuamente, senão desaparece. É um fogo que foi engendrado, é uma semente de fogo.

Quando Zeus vê – terceiro ato – o fogo das cozinhas que queima na terra, sua cólera é sem limites e, nesse momento, ele decide esconder o trigo Bios, a vida, o que faz viver os homens. Ele esconde o trigo e, como conseqüência, o trigo que nascia sozinho, sem que fosse necessário que se trabalhasse, dali em diante, será preciso que os homens escondam a semente de trigo na terra para que ela germine.

Pandora E então, na seqüência, Zeus não se contenta em fazer isso. Ele pede a Hefestos para molhar com água a terra e fazer dela uma jovem virgem à semelhança das deusas. Ele cria a que será chamada de Pandora, o dom de todos os deuses, porque todos os deuses a enchem de graças. Então, esse ser que é o ancestral da raça das mulheres, é extremamente tão desejável quanto a gordura que encobria os ossos desnudos, tão verdejante e jovem quanto o talo que escondia o fogo no interior. Mas, atrás do charme que emana dela e que provoca amor e admiração, o que existe? Existe, primeiro, que ela é da terra. E existe que nela colocaram um espírito de cadela, uma espécie de animalidade, de bestialidade e todo tipo de mentira, um espírito mentiroso. Ela mesma é uma armadilha e uma mentira, como as que Prometeu fizera.

Então, Zeus envia esse manequim, que é ao mesmo tempo uma moça pronta para o casamento e uma imagem falaciosa da beleza divina, escondendo a bestialidade interior. Ele a envia a Epimeteu, irmão de Prometeu, porque Prometeu, que quer dizer o previdente, o astucioso, o que sabe de antemão, tem como irmão Epimeteu, o irrefletido, o que só entende tarde demais, quando tudo está terminado, quando tudo está jogado. Epimeteu acolhe esta mulher, ele a vê, ele a toma em casa, e nesse momento o destino de Zeus se realiza.

Pandora abre um jarro, não importa de onde vem, e neste jarro existem todos os males invisíveis. Pandora é um mal visível, que tem a aparência de um bem, pois a amamos. Mas ele abre um jarro, de onde saem os males que saberíamos que são males se os víssemos, mas não os vemos: as doenças, a chegada da morte, a fome, etc.

E assim, a condição humana está selada”.

(Retirado de entrevista com Jean Pierre Vernant, exibida na TV Escola)