DOIS DIZERES SOBRE A VIOLÊNCIA DO SECRETÁRIO GORAYEB

DO EPISÓDIO:

Do Blog do Sarafa – “O secretário municipal de Obras, Américo Gorayeb e suas filhas, Andrea e Samantha, foram acusados de espancar e agredir verbalmente hoje (4) o porteiro Rosemberg Martins da Silva, 33. Ele sofreu um corte na boca e escoriações. O caso foi registrado no 1o. DIP (Distrito Policial). A agressão aconteceu por volta das 22h30 na portaria do condomínio Tropical Privê, no bairro Adrianópolis, na zona centro-sul de Manaus.

Segundo Rosemberg Martins da Silva, a filha de Américo Gorayeb, Andréa entrou no edifício dirigindo seu veículo, não se identificou na portaria, e estacionou em uma vaga de um morador. Ao porteiro, ela alegou que deixaria a vaga em cinco minutos, pois subiria no apartamento da irmã, Samantha, apenas para deixar o sobrinho. O porteiro alertou Andréa para sair da vaga, pois o morador chegaria logo do trabalho. “Ela disse que não ia tirar o carro da vaga e que eu era um filho…, um merda, um favelado, um ninguém”, disse.

Silva, que trabalha no condomínio há seis anos, afirmou que Andréa saiu do carro e começou o agredir. “Ela partiu para me dar um tapa, foi quando chegaram moradores e seguraram-na. Ela estava muito alterada e dizia que eu seria preso”, disse.

O morador, que se identificou como S.P.,41, disse que tentou segurar Andrea, mas foi agredido por Samantha Gorayeb, moradora do condomínio. “Eu estava defendendo o porteiro. Ela (Samantha) disse que minha palavra não era nada, que eu era um bêbado. E partiu pra cima de mim, rasgando minha camisa e me arranhando”, disse.

Segundo moradores, Andrea e Samantha, mais o marido dela, Bruno Rebelo, subiram para o apartamento no condomínio. Não passou meia hora, chegou ao edifício o secretário Américo Gorayeb. “Ele chegou exaltado, perguntando quem era o porteiro que tinha agredido a filha dele. Eu me apresentei e disse que não agredi ninguém. Ele me chamou de merda e me deu uma gravata”, disse.

Gorayeb chamou uma viatura da Polícia Militar, que não ouviu o porteiro e nem os moradores, que testemunharam as agressões. Depois do episódio a família do secretário de Obras se ausentou do condomínio.”

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COMO EM CASA, NA RUA

Segundo informações na blogosfera, o secretário municipal de Obras, Américo Gorayeb, e suas duas filhas violentaram um porteiro e um morador do Condomínio Tropical Privê. O motivo: uma vaga no estacionamento do condomínio.

Tal acontecimento demonstra bem a limitação cognitiva e política do secretário municipal Gorayeb. Sua ação evidencia que para ele a política se trata apenas de cargos administrativos, de uma instância constituída e representativa, esvaziada de produções responsáveis por construir a cidade. Nem passa por Gorayeb a desconfiança de que a política é construída com argumentos racionais; que a construção da cidade, mais do que a soma de tijolos e cimento, é efeito do encontro dos trabalhos de todos que dispõem de seus talentos rumo a transformação do cotidiano.

Deste modo, Gorayeb, bem demonstra o quanto o dito “costume de casa vai a praça” procede. E nas ações de suas filhas o prolongamento da limitação política e cognitiva de Gorayeb é confirmado. Quem não consegue fazer com que a inteligência seja evento necessário para que a existência esteja fundamentada em argumentos racionais e na preservação do bem comum, tanto no coletivo (a cidade, a rua) quanto no privado (em casa, na família) faz prevalecer a violência institucional e social.

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VIOLÊNCIA DE GORAYEB É SINTOMA DE PATOLOGIA SOCIAL

Toda violência é produto de uma interdição. Essa interdição é uma interrupção, brusca ou gradual, na possibilidade de realização expontânea do processo de intelecção, sobretudo nas crianças, por parte do meio que lhe é externo. Interrompido este processo, ou à medida que nele atuam elementos exógenos, que impedem que ele se realize naturalmente, o processual de construção do mundo e de si, na criança, fica prejudicado.

A autonomia, pela qual a criança se descobre estando no mundo como atuante, capenga: a criança será um adulto inseguro, sempre carente de algo externo que lhe garanta os parâmetros da própria existência. Sem tal, sente-se ameaçada pelos outros, sobretudo se estes outros não tiverem passado pelo mesmo processo de degradação e interdição, e atuem de forma mais autônoma.

Ao mesmo tempo, essa insegurança gera também a violência. Uma pessoa que se sinta emeaçada na sua integridade existencial, e que disponha de recursos para eliminar aquilo que ela entende – equivocadamente! – se tratar a origem do perigo, certamente é perigosa. E torna-se mais perigosa ainda quando tem acesso a instâncias de ordem social que lhe permitam acessar e ter o domínio de recursos de intercessão. Ela certamente usará estes recursos como esteios para expressão da dor da intercessão que sofreram, e como veículos de disseminação desta dor. Essa má consciência, somada à política, gera uma sociedade patologizada.

Não há nada mais danoso para uma sociedade do que a prevalência de uma subjetividade que produza este tipo de violentação, e que permita a prevalência de elementos intercessores da livre produção existencial das pessoas.

Manaus, que não está isolada contextualmente do restante do mundo, expressa bem o que é uma cidade onde prevalece essa consciência tomada pela dor e pela intercessão. Não por acaso, nas últimas décadas, tem prevalecido no seu processo político enquanto democracia representativa, esta subjetividade da dor e da interdição.

Governantes que atuam menos em função de um entendimento que engendre políticas para a coletividade do que guiados por esta má consciência, que cultua a própria dor e a dissemina. Daí Manaus ser uma cidade onde prevalece a imobilidade e a inação de suas instituições: não há segurança pública, saúde, transporte, educação, lazer, etc.

Por isso o episódio envolvendo o secretário municipal Américo Gorayeb, e relatado no Blog do Sarafa, não pode ser descontextualizado da gestão à qual faz parte. A gestão de Amazonino, ainda sub judice, tem sido fértil em demonstrar que tem servido menos à produção de condições materiais e imateriais para o surgimento de uma cidade orgânica do que para o provimento e louvação desta subjetividade dolorosa e patogênica. O episódio da meia-passagem, o do transporte coletivo (mototaxistas, taxistas, kombis-lotação, fim dos terminais de integração, sucateamento da frota, controle do sistema pelos empresários), o do julgamento do seu processo de compra de votos (e a consciência dos juristas), o loteamento familialista dos cargos, a subalternidade da mídia domesticada, nada disso está desligado da forma como o secretário e sua família, envolvida no caso, concebe a existência. A violentação de um porteiro, tanto fisica quanto moralmente, advém da mesma fonte à qual tem violentado a cidade, para além da atual gestão, e já há décadas.

Contando inclusive com a conivência (tão intercessora e violenta quanto) das instituições autoproclamadas guardiãs do saber e da inteligência do Estado (as universidades, academia amazonense de letras e seus ‘intelectuais’, a mídia em todas as suas variáveis tecnológicas, as igrejas, a justiça…).

Daí a verdadeira indignação não florescer a partir da efemeridade de um episódio, mas do silêncio reacionário das componentes de uma Manaus que não se quer cidade, e que permite a predominância deste tipo de consciência entre os seus governantes. Em todas as esferas.

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